3.18.2013

Tenho Câncer e Um Berço


Gabriella. 31 semanas (01/dez/2012).

Junto com uma pesada caixa de papelão chegou em casa um fino envelope.

Na caixa, o que será um berço. No envelope, um band-aid de silicone que cobre onde uma vez havia uma tireóide.

O berço é da bebê sapo que transformou um útero em castelo. A tireóide alojava um carcinoma papilífero grau VI. Diagnóstico. O procedimento: tireoidectomia total. A dúvida: quando? Assunto controverso entre a Academia, que dividiu em dois times os quatro cirurgiões e dois obstetras consultados. A decisão: 100% minha. Ah, tumorzinho, se fosses maior que teus irrisórios 0.9 x 0.8 x 0.6cm, tão mais fácil tornarias minha decisão. Cada médico levantava uma dúvida e expunha opiniões e fatos. Eu queria números, estatísticas, porcentagens. Em vão. Modelos de análises de risco esperavam em branco por dados inexistentes. A decisão seria meramente emocional. Intuitiva. Se o tumor aumentar, se virar metástase, se você não fizer depois que o bebê nascer, se a empresa cancelar o convênio, se a anestesia geral afetar o bebê, se a cirurgia tiver alguma complicação, se eu morrer, se o bebê não resistir. Deus, por que me deste um cobertor tão grande?

Conversa com sua filhinha, dizia minha mãe. Explica que você vai fazer uma cirurgia e vai dormir por algumas horas. Pede para ela ficar tranqüila. Fala para ela não se preocupar e dormir um pouquinho, que vai passar logo. Avisa que é para o bem de vocês duas. Alguém me ensina a fazer isso sem chorar?

O coração espremia meus sentimentos e enchia de lágrimas o lençol do hospital. Luz verde, salinha iluminada, serenidade, harmonia, luz verde, luz verde, luz verde...

Explico.

Nos fundos de uma casa comprida com um corredor estreito na Vila Mariana, tem uma salinha pequena onde transborda energia...... é o grupo Noel, Centro Espírita. Nas manhãs de sábado tenho sido carinhosamente recebida por um seleto grupo que irradia luz verde em minha tireóide. Ao me despedir após a última sessão, um lembrete “quando no hospital, pense em nós e na salinha dos fundos”.

Cada lâmpada no teto aumentava o medo sobre o incerto. O objetivo era avisar todas aquelas pessoinhas de toca na cabeça que havia um bebê na minha barriga e que se algo porventura não viesse a ocorrer como planejado, que a prioridade não fosse eu. Lutava contra o pré-anestésico para ter a certeza que o recado seria dado. Medo, ansiedade, insegurança... luz verde... Um médico animado se apresentou. Algumas pessoas da equipe fizeram perguntas.... mas meu mundo só se acalmou ao ver o cirurgião com seu sorriso acolhedor dizer que se atrasou pois estava operando uma criança. Completou dizendo que iria cuidar muito bem das outras duas que o estavam esperando. Busquei refúgio na salinha iluminada enquanto me entregava às drogas que já não me deixavam retirar as mãos do ventre...

...

E o bebê? Fazia força, mas a voz não saía... e o bebê? Ouvia baixinho e torcia para que me ouvissem também. Está bem, disse um. Nos vemos em alguns meses no parto, despediu-se outra. Alívio. Alegria. Gratidão. Um mundo de emoções misturava-se com o bipe das máquinas e equipamentos e o vai-e-vem de funcionários. Tira a sonda, esforçava-me novamente. Ainda não temos autorização. Tira a sonda. Doutor, a Erika está incomodada com a sonda, posso retirá-la?

Pelamordedeus, tinham me falado que a recuperação da anestesia geral seria difícil, mas caraca – dá para tirar essa p**ra desse fiozionho de dentro da minha uretra que eu não to agüentando!?!!!! E pensar que colocaram uma sonda de urina no meu avô, enquanto consciente. Afe Maria, deve ter doído demais. Alguém arranca esse negócio se não eu mesma vou tirar?? Tem alguém aí??

Obrigada Doutor, vou retirá-la.

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Obrigada Doutor. De coração.

3.11.2013

14 de fevereiro de 2013 - Boa Hora


Boa hora. Talvez a expressão mais honesta e pura que exista. Com certeza, minha favorita nos últimos meses. Ao ouvi-la, um sorriso involuntário iluminava meu rosto e o pensamento transcendia espaço e tempo por alguns segundos. Que Deus lhe dê uma boa hora. Existe desejo mais puro?

A minha hora, a nossa hora foi abençoada – e todos os segundos foram perfeitamente compondo a hora mais feliz da minha vida. Foi assim:

“Caraca, só aquela vaca da Gisele Bündchen que não sente dor, pelamordedeus”- foi o primeiro pensamento que invadiu minha mente ao ser despertada por uma contração às 6h20 da manhã de uma já ensolarada quinta-feira.

“Ah não, já preciso fazer xixi de novo – não agüento mais ir ao banheiro no meio da noite”, foi o segundo.

Desta vez, porém, senti o liquido saindo antes mesmo de eu me levantar... e corri para a privada. “Será?” – era tudo o que eu pensava enquanto ouvia o barulhinho de água. Levantei e olhei para dentro do trono: e agora? Será que isso é xixi? Ou estourou a bolsa? Sem ter certeza absoluta, resolvi voltar para a cama e dormir um pouco mais... dei 3 passos e senti mais liquido saindo de dentro de mim – corri para a privada! É a bolsa! Uhuuuuuuuuuuuuuuuuu! Vou finalmente sentir uma contração de verdade! Uma mescla de sentimentos tomou conta do meu coração – felicidade, surpresa, alívio, e agora? Reparei que conforme eu me mexia, saía mais liquido e dei uma rebolada para fazer um teste... levantei e olhei de novo: lá estava ele, o primeiro sinal de que minha bebê estava pronta para iniciar seu ritual de passagem – um liquido amarelado, fosco, com pedacinhos branco – a bolsa tinha rompido! Não dei descarga e tirei uma foto, caso a médica quisesse ver. Queria ligar para minha irmã e para a Dra. Betina, mas resolvi esperar um pouco – afinal era muito cedo. Reparei que as contrações estava vindo com certa freqüência e comecei a anotar os minutos, 12-14 entre cada. Corri para ver meus livros de preparação para o parto – quando mesmo devo ir ao hospital?  

As 7h20 não me contive e avisei minha irmã, que recebeu a notícia com enorme felicidade e – se bem a conheço – um pouco de ansiedade. Disse que ia arrumar as coisas e estaria a caminho de São Paulo em breve. Esperei alguns minutos para não acordar a médica e por volta das 8h00 dei a notícia à Betina – que também respirou com alivio – a pequena chegaria por conta própria, na hora dela, sem acupuntura, sem descolamento de membrana, sem dores e inconvenientes adicionais. Petit Gabi, a caminho.

As horas tornaram-se minutos e nada fiz além de anotar as contrações a manhã inteira... está chegando a hora, logo mais minha pequena estará aqui, que felicidade... puts, como dói... Quando me dei conta, já era cerca de 13hs e minha irmã, meu cunhado e minha sobrinha Lis estavam chegando. Foi aí que me deu conta que ficaria com vergonha de ter meu cunhado na sala enquanto eu gemia de dor... Minha irmã durona, nem titubeou, ele vai ficar aí e pronto. Ok, ok, tudo bem... Durona, metódica e super organizada – chegou com dois cronômetros, aplicativo do iPad que mede as contrações, mochila do hospital com mais que o imaginável, de incenso a energético. Pelo telefone, a médica me acompanhava “bom, pelo visto ainda vai demorar, você está conseguindo conversar normalmente”.... Lógico, pensava eu, sou uma mulher forte, já tirei as amígdalas e a tireóide, aposto que o parto nem vai doer nada... ...doce ilusão.

Enquanto Lê e Lis brincavam no tapete da sala, eu e Naninha fomos dar uma volta pelo prédio e um pulinho na farmácia para acelerar as contrações... e confesso que esse negócio de andar no pré-parto realmente funciona... Por volta das 18hs, Betina chegou em casa, sorridente e tranqüila, como sempre. Calmamente me examinou e para tristeza de todos, preferiu não dizer quantos centímetros de dilatação eu tinha, mas deixou claro que ia demorar. O sol deu lugar a uma tempestade que trouxe as águas de março em fevereiro e inundou nossa querida cidade. Enquanto a família Le Lis Drica foi jantar e trazer algumas guloseimas do mercado para agüentarmos a madrugada adentro, eu me deitei no quarto e Betina deu uma cochilada no sofá. Assim que levantei, recebi uma massagem relaxadora no corpo inteiro e aprendi a respiração que deveria fazer durante as contrações. Aaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhh, de dentro e de baixo para fora e para cima, com força. Aaaaaaaaaahhhhhhhhhh, treinava eu. Foi aí que a Betina revelou o segredo, estava com apenas 3cm de dilatação – ou seja, o negócio ia ser loooooooooooooooongo.

Assim que a family retornou do mercado e me serviu uma mini pizza, por volta das 21hs, a Betina saiu para jantar – quando voltasse iríamos para o hospital, a bebê deveria chegar na madrugada de sexta. Avisei minha mãe e meu pai e em menos de 15 minutos a mini pizza fazia seu trajeto ao contrário – vomitei (PS: o organismo é fantástico, vai limpando tudo - eu tinha feito cocô 3 vezes de manhã).

Aaaaaaaaaaahhhhhhh.... eu vestia uma saia e a parte de cima de um biquíni para facilitar a massagem nas costas e a bolsa de água quente que meu cunhado e minha irmã colocavam na minha lombar durante as queridas contrações... O perfume do incenso se misturava ao cheiro do estoque de fraldas que decorava a sala e o choro da pequena Lis se mesclava às notas da música clássica que nos embalava. “caraaaaaaaaaaaaaalho, não vou agüentar, pelamordedeus, se tivesse no hospital já teria pedido uma anestesia.... não, já teria feito uma cesárea” pensava eu, mas tudo o que eu conseguia falar era aaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhh...

Por volta das 22hs a posição mais confortável que eu encontrei foi sentada na privada, assim aproveitava e fazia xixi e podia me apoiar na parede da frente durante as contrações.... e a cada grito meu, minha sobrinha respondia ainda mais alto... e às 23hs o resto da mini pizza e o suco de uva voltaram à tona entre uma contração e outra – nem me levantei e vomitei no bidê ao lado. Meu cunhado ligou para a médica, disse que ia entrar no banho rapidinho e já estaria de volta. 

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, eu não vou aguentaaaaaaaaaar. Buáaaaaaaaaaaaaaa respondia a Lis.
E imaginava o quarto delivery no hospital São Luiz, um lugar espaçoso e amplo, com iluminação especial, som ambiente, banheira de parto, um lugar onde os partos não doem.... meu paraíso... aaaaaaaahhhhhhhhhhhhhh.... buuuuaaaaaaaaaaaaaaaaa....

Para acalmar um pouco a Lis, Leandro a levou para dar uma volta no prédio e deixou minha irmã me doulando. Ela sugeriu que eu entrasse no chuveiro para tentar aliviar um pouco a dor – e confesso que não aliviou porra nenhuma, só aumentou minha vontade de fazer cocô... “é seu bebê que está chegando, Kika” foi a resposta. “Como assim? Não tá na hora!”. Você consegue colocar a mão lá? Vê se você sente alguma coisa? Nãaaaaaaaaaaaao, não consigo.... Vamos fazer um teste, senta na privada e na próxima contração ao invés de fazer o ahhhhhhh, faz a respiração para dentro, como se fosse fazer cocô mesmo. Tá, ok. Hmmmmmmmmmmmmmmmmmm – agora põe a mão lá e vê se você sente alguma coisa...  aaahhhhh, tem alguma coisa pressionando minha pele.... é a bebê! Mas não pode ser, dizia eu, ainda não esta aberto, não tem dilatação, não tem por onde sair... Ah, tem sim – pode escolher, você quer ir para a sala ou para o quarto??! Pensei no tapete branquinho da sala, vamos para o quarto! Fiquei de joelho na cama e gritava mais alto a cada contração...

Alô, Betina, o bebê da minha irmã tá chegando
-        Eu estou no subsolo, não consigo chamar o elevador
-        Ah, sobe um andar de escada, no subsolo ele fica bloqueado
-        Kika, faz força na contração....
-        Aaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
-        Betina, está saindo o mucus plug, eu não lembro o nome em português, mas está saindo... Kika, é o primeiro sinal que seu bebê vai nascer!
-        O elevador está desligado! E o outro tem alguém segurando! Fala pra sua irmã não fazer força...
-        Kika, na próxima contração, faz força
-        Aaaaaaaaaajjjjjjjjjjjjjjjjjjasdfasdfasdfasdfasdfasdfasdfasdfasf
-        Isso, saiu a cabecinha, na próxima faz de novo e vai sair o corpo, tipo assim pluft...
-        Espero que não me rasgue, foi a única coisa que pensei! E aaajjjjjjjjjjjjafffffffffffffffffff
-        Pronto! Nasceu!!!!!!!
-        Chora, chora, chora, chora....
-        Buuuaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Ufa.

e o tempo parou. Os minutos transformaram-se em horas e o mundo passava em câmera lenta dentro de um apto na Grande São Paulo.

Enquanto eu pulava o cordão umbilical para me sentar, a médica entrava no apartamento e minha irmã segurava a pequena... quer? Quer segurar?
-        Calma, calma, deixa eu me sentar...

E em poucos segundos Gabizinha estava nas minhas mãos, tentando sugar um peito que eu nem sabia direito como lhe oferecer....
“Deixa eu dar uma examinada para ver como está”
“Cortou? Rasgou?”
“Ah, tudo bem, só uma raspadinha na lateral, mas em 3 dias fica tudo ótimo”
Ufa.
“Que horas nasceu?” – perguntava meu cunhado ao entrar no quarto...
“Faz um pouco de força para sair a placenta”
“Deixa eu ver?”
E chorei ao ver o pedacinho vivo de mim que cuidou tão bem da minha petit e a manteve abrigada e alimentada por 41 semanas e 5 dias...

Você tem fio dental para amarrar o cordão?
“Segura aqui, sente o cordão pulsar˜
Não sentia nada, tremia, o mundo ainda caminhava devagar...
“Quer cortar?”
“Chama minha irmã”
“Nossa, que duro”

“Toma um banho devagar, mas não lava a cabeça”
“Você tem pano de chão? E outro lençol?”
“Tem um balde para eu lavar a bebê?”
“Ixe, esse absorvente pós parto é muito pequeno, vou pegar uma fraldinha dela para você”
“Você prefere que a gente fique aqui com você essa noite? Ou a médica?”

E quando eu saí do banho, a cama estava arrumada, os restos de mini pizza e suco de uva tinham sumido e Gabizinha dormia na minha cama, vestida com uma fraldinha, o cabelo cheio de pedacinhos de um sebo branco, o cheiro, ahhhh, o cheiro embriagava o ambiente.... cheiro de bebê tem cheiro de placenta, da minha placenta, do meu bebê.

E fiquei ali, a noite inteira, deitada ao lado da petit, observando cada pedacinho, cada detalhe... e ainda hoje quando olho para ela, sinto um aperto no peito e meus olhos se enchem de lágrimas.

23h48. Esta foi nossa abençoada hora.

3.05.2013

...nossa senha, para o resto da vida



De dentro de mim enrodilhado
Por meu olhar contemplas o universo

Vem minha criança, não tenhas medo
Sai dessa concha de sangue e carne
Onde te preparas para o mistério da vida
Estou a tua espera.
Vem, quero te falar das marés e da lua cheia
Quero te contar dos homens e de suas invenções.

Conheço cantigas de ninar com as quais te embalarei,
Para que teu sono seja tranqüilo
Sei histórias de fadas e heróis e vou narrá-las, uma por uma,
Para que seja alegre teu despertar e divertido seu dia.
Ouve: esse rumor surdo e contínuo que te faz companhia

Aí dentro nessa noite de tantas luas - é meu coração batendo.
Ele continuará pulsando por ti quando já tiveres saído e me
Olhares nos olhos.
Por esse som me reconhecerás, aqui fora,
Quando estiveres nos meus braços e eu te aconchegar no meu peito

Esta será nossa senha, para o resto da vida.
Toda vez que a tristeza escurecer o seu semblante
Sempre que a aflição fizer teu coração bater mais rápido,
Corre para mim e encosta a cabeça no meu regaço.
Aí ouvirás de novo esta mensagem
Estarei te esperando como hoje

                                                        Lídia Aratangy

à Gabriella, com todo meu amor

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar ".


(Efêmeras) Noites de Mamãe e Bebê...


Leio, releio e leio mais uma vez. E meus olhos se enchem de lágrimas, sempre.


"Querida mamãe, Esta noite acordei estranhando o silêncio. Não havia barulho algum e pensei que o mundo tinha até acabado e você esquecido de mim. Coloquei a boca no trombone e você apareceu. Ainda bem.Fiquei tão feliz no calor do seu peito que acabei pegando no sono antes de mamar tudo o que precisava. Quando percebi que você ia me colocar no berço, chorei de novo. Mas não tente negar, você estava com pressa para ir dormir outra vez. Você me deu de mamar novamente, assim, meio apressadinha e depois resolveu trocar a minha fralda. Estava tudo calmo, um silêncio, nós dois juntinhos, tão legal que eu perdi o sono. Você até que foi compreensiva, mas começou a bocejar um pouco e resolveu me fazer dormir. Eu não queria dormir. Talvez eu precisasse de mais dez minutos ou meia hora, mas você estava mesmo decidida a dormir. Foi ficando bem nervosa e até chamou o papai e todos fomos ficando muito irritados. No final das contas, acordei a casa inteira cinco vezes. Pela manhã, nossa família estava com cara de quem saiu do baile. Acho que estraguei tudo. Imagina, você chegou a dizer para o papai que eu estou com problema de sono. Eu não! Você é que vem me dar de mamar com pressa e daí eu sinto que você não quer mais ficar comigo. Os adultos têm hora certa para tudo, mas eu ainda não entendi essas coisas de relógio e tarefas estafantes que vocês precisam fazer. Quando meu corpo está com o seu, quero ficar do seu lado sem me separar nunquinha. Do alto dos meus três meses, ainda não descobri direito que você é uma pessoa e que eu sou outra. Um dia eu vou sair por aí, vou telefonar e posso deixá-la doida para saber o que ando fazendo e, então, você vai entender como me sinto agora. Mas não precisamos dessa guerra, mamãe. Até lá já podemos nos entender, inclusive pelas palavras. Sinto a angústia da separação, pois acabei de passar por essa experiência. Você também, mas vive tudo isso como uma adulta consciente. Eu ainda estou vivendo no inconsciente. Eu não sei nada, tudo é tão novo para mim aqui fora. Mas eu tenho absoluta certeza de que eu vou aprender tudinho o que você me ensinar por seus sentimentos em relação a mim. Mamãe, você quer um conselho de bebê? Quando eu chorar à noite, não salta logo para o meu quarto desesperada como se o mundo fosse acabar. Espere um pouco, respire profundamente, ouça o meu choro até que ele atinja o seu coração. Sinta seu tempo, realmente acorde e venha me pegar. Me abrace devagar, não acenda a luz, fale bem baixinho e me dê o seu peito para eu mamar. Depois que eu arrotar, mais um pouco só de paciência pois, nós bebês, somos sensíveis aos sentimentos dos adultos. Se eu sentir que você está com pressa, sou capaz de armar o maior barraco, mas se você esperar o meu segundo suspiro, quando meus olhos ficarem bem fechados, minhas mãos e pernas ficarem bem molenguinhas, aí sim, pode me colocar de volta no berço que eu não acordo antes de sentir fome outra vez. À medida que você desenvolver sua paciência, mamãe, eu estarei desenvolvendo a minha tranqüilidade e nós não teremos mais noites infernais. Apenas noites de mamãe e bebê, que um dia passam, como tudo na vida."