3.11.2013

14 de fevereiro de 2013 - Boa Hora


Boa hora. Talvez a expressão mais honesta e pura que exista. Com certeza, minha favorita nos últimos meses. Ao ouvi-la, um sorriso involuntário iluminava meu rosto e o pensamento transcendia espaço e tempo por alguns segundos. Que Deus lhe dê uma boa hora. Existe desejo mais puro?

A minha hora, a nossa hora foi abençoada – e todos os segundos foram perfeitamente compondo a hora mais feliz da minha vida. Foi assim:

“Caraca, só aquela vaca da Gisele Bündchen que não sente dor, pelamordedeus”- foi o primeiro pensamento que invadiu minha mente ao ser despertada por uma contração às 6h20 da manhã de uma já ensolarada quinta-feira.

“Ah não, já preciso fazer xixi de novo – não agüento mais ir ao banheiro no meio da noite”, foi o segundo.

Desta vez, porém, senti o liquido saindo antes mesmo de eu me levantar... e corri para a privada. “Será?” – era tudo o que eu pensava enquanto ouvia o barulhinho de água. Levantei e olhei para dentro do trono: e agora? Será que isso é xixi? Ou estourou a bolsa? Sem ter certeza absoluta, resolvi voltar para a cama e dormir um pouco mais... dei 3 passos e senti mais liquido saindo de dentro de mim – corri para a privada! É a bolsa! Uhuuuuuuuuuuuuuuuuu! Vou finalmente sentir uma contração de verdade! Uma mescla de sentimentos tomou conta do meu coração – felicidade, surpresa, alívio, e agora? Reparei que conforme eu me mexia, saía mais liquido e dei uma rebolada para fazer um teste... levantei e olhei de novo: lá estava ele, o primeiro sinal de que minha bebê estava pronta para iniciar seu ritual de passagem – um liquido amarelado, fosco, com pedacinhos branco – a bolsa tinha rompido! Não dei descarga e tirei uma foto, caso a médica quisesse ver. Queria ligar para minha irmã e para a Dra. Betina, mas resolvi esperar um pouco – afinal era muito cedo. Reparei que as contrações estava vindo com certa freqüência e comecei a anotar os minutos, 12-14 entre cada. Corri para ver meus livros de preparação para o parto – quando mesmo devo ir ao hospital?  

As 7h20 não me contive e avisei minha irmã, que recebeu a notícia com enorme felicidade e – se bem a conheço – um pouco de ansiedade. Disse que ia arrumar as coisas e estaria a caminho de São Paulo em breve. Esperei alguns minutos para não acordar a médica e por volta das 8h00 dei a notícia à Betina – que também respirou com alivio – a pequena chegaria por conta própria, na hora dela, sem acupuntura, sem descolamento de membrana, sem dores e inconvenientes adicionais. Petit Gabi, a caminho.

As horas tornaram-se minutos e nada fiz além de anotar as contrações a manhã inteira... está chegando a hora, logo mais minha pequena estará aqui, que felicidade... puts, como dói... Quando me dei conta, já era cerca de 13hs e minha irmã, meu cunhado e minha sobrinha Lis estavam chegando. Foi aí que me deu conta que ficaria com vergonha de ter meu cunhado na sala enquanto eu gemia de dor... Minha irmã durona, nem titubeou, ele vai ficar aí e pronto. Ok, ok, tudo bem... Durona, metódica e super organizada – chegou com dois cronômetros, aplicativo do iPad que mede as contrações, mochila do hospital com mais que o imaginável, de incenso a energético. Pelo telefone, a médica me acompanhava “bom, pelo visto ainda vai demorar, você está conseguindo conversar normalmente”.... Lógico, pensava eu, sou uma mulher forte, já tirei as amígdalas e a tireóide, aposto que o parto nem vai doer nada... ...doce ilusão.

Enquanto Lê e Lis brincavam no tapete da sala, eu e Naninha fomos dar uma volta pelo prédio e um pulinho na farmácia para acelerar as contrações... e confesso que esse negócio de andar no pré-parto realmente funciona... Por volta das 18hs, Betina chegou em casa, sorridente e tranqüila, como sempre. Calmamente me examinou e para tristeza de todos, preferiu não dizer quantos centímetros de dilatação eu tinha, mas deixou claro que ia demorar. O sol deu lugar a uma tempestade que trouxe as águas de março em fevereiro e inundou nossa querida cidade. Enquanto a família Le Lis Drica foi jantar e trazer algumas guloseimas do mercado para agüentarmos a madrugada adentro, eu me deitei no quarto e Betina deu uma cochilada no sofá. Assim que levantei, recebi uma massagem relaxadora no corpo inteiro e aprendi a respiração que deveria fazer durante as contrações. Aaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhh, de dentro e de baixo para fora e para cima, com força. Aaaaaaaaaahhhhhhhhhh, treinava eu. Foi aí que a Betina revelou o segredo, estava com apenas 3cm de dilatação – ou seja, o negócio ia ser loooooooooooooooongo.

Assim que a family retornou do mercado e me serviu uma mini pizza, por volta das 21hs, a Betina saiu para jantar – quando voltasse iríamos para o hospital, a bebê deveria chegar na madrugada de sexta. Avisei minha mãe e meu pai e em menos de 15 minutos a mini pizza fazia seu trajeto ao contrário – vomitei (PS: o organismo é fantástico, vai limpando tudo - eu tinha feito cocô 3 vezes de manhã).

Aaaaaaaaaaahhhhhhh.... eu vestia uma saia e a parte de cima de um biquíni para facilitar a massagem nas costas e a bolsa de água quente que meu cunhado e minha irmã colocavam na minha lombar durante as queridas contrações... O perfume do incenso se misturava ao cheiro do estoque de fraldas que decorava a sala e o choro da pequena Lis se mesclava às notas da música clássica que nos embalava. “caraaaaaaaaaaaaaalho, não vou agüentar, pelamordedeus, se tivesse no hospital já teria pedido uma anestesia.... não, já teria feito uma cesárea” pensava eu, mas tudo o que eu conseguia falar era aaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhh...

Por volta das 22hs a posição mais confortável que eu encontrei foi sentada na privada, assim aproveitava e fazia xixi e podia me apoiar na parede da frente durante as contrações.... e a cada grito meu, minha sobrinha respondia ainda mais alto... e às 23hs o resto da mini pizza e o suco de uva voltaram à tona entre uma contração e outra – nem me levantei e vomitei no bidê ao lado. Meu cunhado ligou para a médica, disse que ia entrar no banho rapidinho e já estaria de volta. 

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, eu não vou aguentaaaaaaaaaar. Buáaaaaaaaaaaaaaa respondia a Lis.
E imaginava o quarto delivery no hospital São Luiz, um lugar espaçoso e amplo, com iluminação especial, som ambiente, banheira de parto, um lugar onde os partos não doem.... meu paraíso... aaaaaaaahhhhhhhhhhhhhh.... buuuuaaaaaaaaaaaaaaaaa....

Para acalmar um pouco a Lis, Leandro a levou para dar uma volta no prédio e deixou minha irmã me doulando. Ela sugeriu que eu entrasse no chuveiro para tentar aliviar um pouco a dor – e confesso que não aliviou porra nenhuma, só aumentou minha vontade de fazer cocô... “é seu bebê que está chegando, Kika” foi a resposta. “Como assim? Não tá na hora!”. Você consegue colocar a mão lá? Vê se você sente alguma coisa? Nãaaaaaaaaaaaao, não consigo.... Vamos fazer um teste, senta na privada e na próxima contração ao invés de fazer o ahhhhhhh, faz a respiração para dentro, como se fosse fazer cocô mesmo. Tá, ok. Hmmmmmmmmmmmmmmmmmm – agora põe a mão lá e vê se você sente alguma coisa...  aaahhhhh, tem alguma coisa pressionando minha pele.... é a bebê! Mas não pode ser, dizia eu, ainda não esta aberto, não tem dilatação, não tem por onde sair... Ah, tem sim – pode escolher, você quer ir para a sala ou para o quarto??! Pensei no tapete branquinho da sala, vamos para o quarto! Fiquei de joelho na cama e gritava mais alto a cada contração...

Alô, Betina, o bebê da minha irmã tá chegando
-        Eu estou no subsolo, não consigo chamar o elevador
-        Ah, sobe um andar de escada, no subsolo ele fica bloqueado
-        Kika, faz força na contração....
-        Aaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
-        Betina, está saindo o mucus plug, eu não lembro o nome em português, mas está saindo... Kika, é o primeiro sinal que seu bebê vai nascer!
-        O elevador está desligado! E o outro tem alguém segurando! Fala pra sua irmã não fazer força...
-        Kika, na próxima contração, faz força
-        Aaaaaaaaaajjjjjjjjjjjjjjjjjjasdfasdfasdfasdfasdfasdfasdfasdfasf
-        Isso, saiu a cabecinha, na próxima faz de novo e vai sair o corpo, tipo assim pluft...
-        Espero que não me rasgue, foi a única coisa que pensei! E aaajjjjjjjjjjjjafffffffffffffffffff
-        Pronto! Nasceu!!!!!!!
-        Chora, chora, chora, chora....
-        Buuuaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Ufa.

e o tempo parou. Os minutos transformaram-se em horas e o mundo passava em câmera lenta dentro de um apto na Grande São Paulo.

Enquanto eu pulava o cordão umbilical para me sentar, a médica entrava no apartamento e minha irmã segurava a pequena... quer? Quer segurar?
-        Calma, calma, deixa eu me sentar...

E em poucos segundos Gabizinha estava nas minhas mãos, tentando sugar um peito que eu nem sabia direito como lhe oferecer....
“Deixa eu dar uma examinada para ver como está”
“Cortou? Rasgou?”
“Ah, tudo bem, só uma raspadinha na lateral, mas em 3 dias fica tudo ótimo”
Ufa.
“Que horas nasceu?” – perguntava meu cunhado ao entrar no quarto...
“Faz um pouco de força para sair a placenta”
“Deixa eu ver?”
E chorei ao ver o pedacinho vivo de mim que cuidou tão bem da minha petit e a manteve abrigada e alimentada por 41 semanas e 5 dias...

Você tem fio dental para amarrar o cordão?
“Segura aqui, sente o cordão pulsar˜
Não sentia nada, tremia, o mundo ainda caminhava devagar...
“Quer cortar?”
“Chama minha irmã”
“Nossa, que duro”

“Toma um banho devagar, mas não lava a cabeça”
“Você tem pano de chão? E outro lençol?”
“Tem um balde para eu lavar a bebê?”
“Ixe, esse absorvente pós parto é muito pequeno, vou pegar uma fraldinha dela para você”
“Você prefere que a gente fique aqui com você essa noite? Ou a médica?”

E quando eu saí do banho, a cama estava arrumada, os restos de mini pizza e suco de uva tinham sumido e Gabizinha dormia na minha cama, vestida com uma fraldinha, o cabelo cheio de pedacinhos de um sebo branco, o cheiro, ahhhh, o cheiro embriagava o ambiente.... cheiro de bebê tem cheiro de placenta, da minha placenta, do meu bebê.

E fiquei ali, a noite inteira, deitada ao lado da petit, observando cada pedacinho, cada detalhe... e ainda hoje quando olho para ela, sinto um aperto no peito e meus olhos se enchem de lágrimas.

23h48. Esta foi nossa abençoada hora.

11 comments:

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  2. Que lindo Kika! Voce eh minha heroina! Te amo demais amiga! To chorando que nem besta aqui....
    Bju no coracao!

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  3. amei demais participar desse seu momento tão mágico kika! foi uma hora maravilhosa! e parabens por vc ser essa mulher linda e forte. te amo demais irmãzinha!

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  4. Anonymous4:50 PM

    Kika, parabéns... mulher guerreira e forte!!! vcs são lindas e serão sempre mto feliz... bjs com mtas saudades Pri Rangel e Enrico

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  5. Anonymous3:48 AM

    Quando a gente pensa ser impossível estreitar ainda mais os laços entre irmãs, Deus vem e faz uma coisa dessas. Parabens as 4 (incluindo a sobrinha que berrava junto, rs!), fiquei muito emocionada com o relato da Kika. Um viva bem grande pra vcs, meninas! bjs

    Ana Luisa (4moms)

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  6. Anonymous7:32 AM

    Pari contigo, mesmo sendo homem.
    Descrição perfeita! PARABÉNS

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  7. Anonymous4:28 PM

    boa hora
    vamos em boa hora
    vambora
    bó lá
    bó PetitGabi!

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  8. ai Kika! to aqui lendo pela 4ª vez! que delicia lembrar lendo esse seu texto gosotoso.
    Gabizinha gostosa! Cheirosa!
    bjs, naninha

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  9. Anonymous6:10 PM

    Nossa... que momento lindo!!!

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  10. Sensacional, Kika! :D

    Beijos, Maira (TR)

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  11. Parabéns, minha nova amiga. Por este relato a gente pode sentir essa sua alma que já transborda felicidade desde a primeira vez que a conhecemos.

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